quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Eleição é coisa séria!

Você contrataria um pedreiro que apregoa aos sete ventos não entender nada de construção? Mandaria seus filhos para a aula de um professor que confessa não ter o que ensinar? Subiria num avião cujo piloto foi visto dizendo que não tem a mínima ideia de como o aparelho funciona?
A resposta é óbvia: não, não e não. Mas, em se tratando de política, as coisas nem sempre são lógicas assim. Existe a crença arraigada de que os políticos profissionais (aqueles mais experientes e que conhecem a fundo os meandros do Congresso) são venais, mentirosos e trapaceiros. Logo, alguém que não é político deve ser melhor do que os outros.
É nessas crenças ingênuas e desinformadas que candidatos como Tiririca (Francisco Everaldo Oliveira Silva), do PR, apostam quando lançam campanhas no estilo quanto mais ignorante, melhor. Alguns despem a pele de cordeiro tão logo são eleitos: esses eram enganadores. Outros, são atropelados pela complexidade dos trabalhos legislativos, e terminam como figuras quase folclóricas do Congresso, inofensivas e desarticuladas.
Tiririca, como legítimo representante desse humor superficial dos programas da TV aberta, desde sempre coalhados de caras esquisitas, sugestões maliciosas e frases de duplo sentido, explora com certa mestria a absoluta falta de propósitos de sua candidatura e consegue transformar em algo palatável a incoerência de pedir o voto da população ao mesmo tempo em que declara seu desprezo pela política.
Sua campanha, já famosa pelo slogan depreciativo em relação ao próprio candidato e ao Congresso (Vote em Tiririca, pior que tá não fica) - pode piorar, sim! - e declarações - não se sabe se sinceras ou feitas na medida para chamar atenção - de que nunca votou e não sabe para que serve um deputado, é uma contradição ambulante que tenta desmoralizar a atividade legislativa, sem oferecer uma única sugestão para melhorá-la.
Não se discute a liberdade de expressão do candidato, que deve poder falar o que lhe vem à mente, até como forma de se permitir que o eleitor o conheça. Se existe algo positivo no efeito Tiririca - a onda de indignação e descrédito para com a política e os políticos, surgida na esteira das tolices ditas pelo candidato -, é a (re)afirmação de uma democracia abrangente e plural, onde todos devem ter o direito de se sentir representados e de representar, mesmo que muitos não tenham a mínima noção da importância do parlamento num regime democrático.
É impossível não observar, porém, que esse tipo de candidatura, carente de boas ideias como os programas humorísticos de sábado à noite, só se viabiliza eleitoralmente porque o voto é obrigatório no Brasil. Não são os eleitores bem informados, que leem jornais e discutem política, os que votam em candidatos sem proposta. O voto em quem zomba da democracia e se faz de sonso diante dos imensos desafios de seu país é um típico subproduto da presença forçada, nas sessões eleitorais, de um eleitorado tão despreparado quanto numeroso, que acaba escolhendo o primeiro que aparece ou votando no mais engraçado, por absoluta falta de interesse e informação.
Os defensores do voto obrigatório alegam que, se apenas uma parte da população votasse, os eleitos teriam menos respaldo popular. Especialmente em países recém-emergidos de períodos ditatoriais, a compulsoriedade do voto seria, assim, uma forma de blindar os governantes com uma capa de legitimidade contra golpes e outros absurdos. Mas esse argumento, se algum dia já fez, hoje não faz nenhum sentido na robusta democracia brasileira, há muito colocada a salvo de qualquer ameaça golpista.
Num sistema de voto facultativo, como ocorre nas grandes democracias do mundo, todos teriam seu direito preservado, e só o exerceriam aqueles que realmente se importassem com a política, a ponto de levá-la a sério. O cenário seria bem outro, e os tiriricas da vida teriam de dizer algo útil, ou estariam fadados a fazer papel de bobos.

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