quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Homem Medíocre

Todo aquele que se sente capaz de criar um destino, com o seu talento e com o seu esforço, está inclinado a admirar o esforço e o talento nos demais; o desejo da própria glória não pode sentir-se coagido pelo legítimo enaltecimento alheio. Aquele que tem méritos sabe o que eles custam, e os respeita; estima, nos outros, o que desejaria que os outros estimassem nele. O medíocre ignora esta admiração franca: muitas vezes se resigna a aceitar o triunfo que ultrapassa as restrições da sua inveja. Mas aceitar não é amar, resignar-se não é admirar.
Os espíritos de asas curtas são malévolos; os grandes engenhos são admirativos. Estes sabem que os dons naturais não se transformam em talento ou engenho sem um esforço, que é a medida do seu mérito. Sabem que cada passo no sentido da glória custa trabalhos e vigílias, meditações profundas, tentativas de fim, consagração tenaz, a esse pintor, a esse poeta, a esse filósofo, a esse sábio; e compreendem que eles consumiram porventura o seu organismo, envelhecendo prematuramente; e a biografia dos grandes homens lhes ensina que muitos renunciaram o repouso ou o pão, sacrificando, tanto um como outro, a fim de ganhar tempo para meditar, ou para comprar um livro iluminador de suas meditações. Essa consciência daquilo em que o mérito importa, os faz respeitar. O invejoso, que o ignora, vê o resultado a que os outros chegam e ele não, sem suspeitar quantos espinhos foram semeados no caminho da glória. Todo escritor medíocre é candidato a criticastro. A incapacidade de criar impele-o a destruir. Sua falta de inspiração o induz a corroer o talento alheio, empanando-o com especiosidades que denunciam a sua irreparável inferioridade. Os altos engenhos são equânimes na crítica de seus iguais, como se reconhecessem, neles, uma consangüinidade em linha direta; no êmulo, não vêem nunca um rival.
O verdadeiro critico enriquece as obras que estuda, e em tudo o que toca deixa um rastro de sua personalidade. Os criticastros, que são, por instinto, inimigos da obra, desejam diminuí-la, pela simples razão de que eles não a escreveram. Nem saberiam escreve-la, se o criticado lhes contestasse: "Faze-a melhor". Têm as mãos travadas por fitas métricas; seu afã de medir os outros corresponde ao sonho de rebaixá-los até à sua própria medida. São, por definição, prestamistas, parasitas, vivem do alheio, pois se limitam a baralhar, com mão hábil, o mesmo que aprenderam no livro que procuram desacreditar. Quando um grande escritor é erudito, reprovam-no como falto de originalidade; se não o é, apressam-se a culpá-lo de ignorância. Se emprega um raciocínio que outros usaram, denominam-no plagiário, embora assinale as fontes da sua sabedoria; se omite a assinalação, acusam-no, por serem vulgares, de improbidade. Em tudo encontram motivo para maldizer e invejar, revelando a sua antipatia interna.
O criticastro medíocre é incapaz de alinhavar três idéias fora do fio que a rotina lhe sugere. Sua bojuda ignorância obriga-o a confundir o mármore com o mecaxisto, e a voz com o falsete, inclinando-o a supor que todo o escritor original é um heresiarca. Os pacóvios dariam o que não têm para saber escrever um pouquinho, para serem incorporados à crítica profissional. É o sonho dos que não podem criar. Permite uma maledicência medrosa e que não compromete, feita de mendacidade prudente, restringindo as perversidades para que fiquem mais agudas tirando aqui uma migalha e dando ali um arranhão, velando tudo o que pode ser objeto de admiração, rebaixando sempre com a oculta esperança de que possam aparecer a um mesmo nível os críticos e os criticados. O escritor original sabe que atormenta os medíocres aguilhoando-lhes essa paixão que os desespera em face do brilho alheio; o desespero dos fracassados é a lucro que melhor pode premiar o seu labor luminoso. O ridículo de um Zoilo chega sempre a andar passo a passo com a glória de um Homero.
Fermentam, em cada gênero de atividade intelectual, como pragas pediculares da originalidade; não perdoam aquele que incuba, em seu cérebro, essa larva silenciosa. Vivem para manchá-lo ou destroná-lo, sonham com o seu extermínio, conspiram com uma intemperança de terroristas, esgrimem sórdidas calúnias que fariam enrubescer um paquiderme. Vêem um perigo em cada astro e uma ameaça em cada gesto; tremem, pensando que existem homens capazes de subverter rotinas e preconceitos, de acender novos planetas no céu, de arrancar sua força aos raios e às cataratas, de infiltrar novos ideais às raças envelhecidas, de suprimir as distâncias, de violar a força de gravidade e de abalar o governo...
Os espíritos rotineiros são rebeldes à admiração: não reconhecem o fogo dos astros porque nunca tiveram, em si, uma única chispa. Jamais se entregam de boa-fé aos ideais ou às paixões que lhes assaltam o coração; preferem opor-lhes mil raciocínios, para privar-se do prazer de admirá-los. Confundirão sempre o equívoco e o cristalino, rebaixando todo ideal até às baixas intenções que supuram em seus cérebros. Pulverizarão todo o belo, esquecendo que o trigo moído e feito farinha já não pode germinar em espigas douradas, à luz do sol. "É um grande sinal de mediocridade - disse Leibniz - elogiar sempre moderadamente". Pascal dizia que os espíritos vulgares não encontram diferenças entre os homens: descobrem-se mais tipos originais, à medida que se possui maior engenho. O criticastro é miserável; admira um pouco todas as coisas, mas nada merece a sua admiração decidida. Aquele que não admira o melhor, não pode melhorar. Os que não sabem admirar não têm futuro. É uma covardia aplacar a admiração; é preciso cultivá-la, como fogo sagrado, evitando que a inveja a cubra com a sua pátina ignominiosa.
De O Homem Medíocre, trad. Gesner de Wilson Morgado, Rio, Melson, 1963.
JOSÉ INGENIEROS (1877-1925)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Dia do índio



Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi...

I-Juca Pirama, Gonçalves Dias

Uma homenagem aos bravos e honrados índios, pela comemoração de seu dia, 19 de abril.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Democracia e Liberdade

"A liberdade se impôs como fundamento inegociável da política quando a ciência tirou a Terra do centro do Universo e o homem do centro da Terra.

E a imprensa foi a ferramenta dessa revolução.

Mais de mil e quinhentos anos se tinham passado; rios de lágrimas e de sangue tinham corrido quando a invenção de Gutemberg finalmente permitiu que Lutero desmascarasse o esquema de poder que, apoiado na censura e no controle estrito da informação, tinha se estruturado por cima da Igreja e transformado a mensagem de Cristo num instrumento de terror.
Desse momento em diante o controle da imprensa passou a ser a obsessão das igrejas, leigas ou religiosas, e dos Estados autoritários.
Tinham toda a razão. Somos inimigos inconciliáveis.
A história não registra exceção. As tiranias se instalam quando o Estado consegue deter pela força o livre fluxo das ideias. As tiranias desmoronam quando a informação volta a circular.
O percurso tem sido longo. Mas, por mais pedras que haja no caminho, o rumo não poderá ser invertido.
O primeiro olhar do homem para a vastidão do universo feriu de morte os deuses das verdades absolutas. O que veio depois é mera consequência.
Na Inglaterra seiscentista o homem teve, pela primeira vez desde que há registro, a experiência da convivência com a diversidade de crenças. Para além de preparar o terreno para o surgimento da ciência moderna tirando o pressuposto da frente do fato e o dogma da frente da experimentação, esse momento consagrou a tolerância como um valor absoluto na esfera das relações humanas.
E de lá a luta se espalhou pelo mundo.
Passados quase quatro séculos a liberdade ainda é um privilégio de poucos. Se a capacidade de ir diretamente às fontes do conhecimento estabelecido é o instrumento da libertação individual, a educação é o único caminho de acesso a esse instrumento. Onde ela não entra a liberdade não se estabelece.
Os espíritos autoritários não odeiam apenas os veículos do conhecimento. Odeiam o próprio conhecimento. E não é por acaso...
É este o drama do Brasil. Quem não conhece o passado está condenado a vivê-lo de novo. E cá estamos nós, outra vez, às voltas com um país que se quer o centro do mundo e um projeto de ditador que se imagina o centro do país...
Mas sejam quantos forem os que se deixarem enganar por isso, o essencial não mudou. Em plena revolução tecnológica, tudo que sabemos é que saberemos mais amanhã do que sabemos hoje e que, na sociedade da informação, mais gente ficará sabendo disso a cada minuto que passar.
A dúvida, cada vez mais, é senhora. E essa ausência de certezas é o pressuposto da liberdade.
Continuará faltando aos ditadores em projeto uma "verdade" em que se apoiar. Terão de instalar seus regimes sob o signo da fraude. De vender-se pelo que não são. E se, quando não puderem mais enganar, recorrerem aos mesmos meios do passado sem poder alegar os mesmos belos fins para justificá-los, estarão se atirando na vala dos criminosos comuns.
Não há mais tapeação neste mundo de janelas abertas. Eles têm os dias contados!
Hoje existe um outro tipo de tirania que é mais insidiosa. Vem com a chancela da "maioria" que boa parte da imprensa se compraz em servir. Essa ausência de resistência torna-a duplamente perigosa. Com as armas da moda e da moralidade, que são a nova cara das antigas "verdades oficiais", a "sociedade", esse poder não eleito que atua em todos os campos e não só no da política, pode se revestir de uma capacidade de constrangimento terrível. E, no entanto, é preciso lembrar com Stuart Mill que "se todos os homens menos um partilhassem da mesma opinião, e apenas uma única pessoa fosse de opinião contrária, a humanidade não teria mais legitimidade para silenciar esta única pessoa do que ela, se poder tivesse, para silenciar toda a humanidade".
Está na hora de isso começar a ser afirmado, especialmente para plateias como esta, com a veemência que a extensão do fenômeno exige.
Na trincheira do jornalismo aprende-se rapidamente que cada conceito está sujeito a se transformar no vício para o combate do qual ele foi criado. Que ao opor resistência aos grandes males da atualidade é bom não fechar os olhos ao possível perigo do triunfo total de qualquer princípio. Que liberdade para os lobos quase sempre significa a morte para os cordeiros...
Aprende-se que a liberdade é mais a oportunidade de ação que a ação em si mesma. É mais o poder fazer do que o fazer propriamente dito. E que o único limite que pode, legitimamente, ser imposto à de cada um é aquele em que o seu exercício implica restringir a liberdade do próximo.
Nestes 135 anos, tendo participado ativamente de todos os movimentos políticos que o País viveu, O Estado de S. Paulo tem sido identificado por todos os governos por que o País passou, aí incluídos especialmente os que ajudou a constituir, como o seu mais incômodo opositor. Colecionou intervenções, atentados e atos de censura de representantes de todos os quadrantes do espectro ideológico. Arrancou de prisões e acolheu em sua redação fugitivos de todos os regimes.
Tem agido assim porque sabe que, essencialmente, liberdade é a liberdade de dissentir. Tem agido assim, nas palavras de Julio de Mesquita Filho, porque "repudia as afirmações categóricas". Porque "limita-se a observar o curso dos acontecimentos para pautar por ele as suas ações". Porque "não admite o apriorismo político e as concepções tendentes a deformar as sociedades humanas e o indivíduo segundo modelos preconcebidos". Porque "crê na inteligência do homem, mas nega-lhe o poder da profecia".
É em nome de todos os que, através dele, participaram desta luta que recebemos este prêmio.
Muito obrigado."
O discurso de Ruy Mesquita lido por seu filho, o jornalista Fernão Lara Mesquita, membro do Conselho de Administração do Grupo Estado, por ocasião da entrega do Prêmio Abap/Ícones da Comunicação, na categoria Liberdade, que destacou a combatividade do jornal O Estado de São Paulo em defesa da democracia.
Assim como o jornal O Estado de São Paulo, este blog está sob censura, desde dezembro de 2009.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

O caminho para uma Cabreúva melhor.

Ao ser convidado para assumir a Gerência Executiva da Associação Comercial e Empresarial de Cabreúva (ACE-Cabreúva), fui incumbido de três tarefas: 1) reorganizar a administração financeira; 2) reestabelecer a confiança da classe empresarial  na Associação Comercial; 3) buscar parcerias com o poder público.
Acredito que cumpri bem todas as tarefas que me foram delegadas nos seis meses que estive no cargo, na ACE-Cabreúva, mesmo que para isso tenha sacrificado meu emprego.
Deixei em andamento vários projetos, que trariam enormes benefícios à classe empresarial e, em conseqüência, à população cabreuvana.
As parcerias com o poder público, ou seja, com a prefeitura, facilitariam muito - sem ser essencial - os projetos de implantação no município, do PAT - Posto de Atendimento ao Trabalhador, com seus cursos de requalificação profissional e do SEBRAE, com suas oficinas de empreendedorismo, seus cursos de organização empresarial e Projeto EMPREENDER, com núcleos de desenvolvimento setoriais.
Isso era apenas o embrião de diversos projetos, que tinham como meta principal, o desenvolvimento do município, originado pelo setor privado, com benefícios ilimitados à toda população de nossa cidade, ou seja, o setor privado ajudando e dando sua contribuição ao setor público.
Além disso, buscávamos a implantação, em Cabreúva, da Lei Geral da Micro Empresa e da Lei do Microempreendedor Individual, que traria dignidade ao trabalhador informal transformando-o em microempresário, onde contribuiria em condições especiais com a previdência social, com o ISS e com o ICMS, dando ao seu negócio todos os aspectos formais, onde todos seriam beneficiados. A ACE-Cabreúva cumpriria sua parte institucional, a prefeitura ganharia na forma de impostos e o trabalhador poderia ter dignidade no seu trabalho.
Além disso, centenas de pessoas que estão hoje na informalidade, teriam acesso ao Banco do Povo, que foi criado justamente para a concessão do microcrédito ao trabalhador que que enquadre como microempreendedor individual, quando a lei é implantada nas cidades.
Ao médio e grande empresário, a ACE-Cabreúva estava buscando os meios necessários à implantação da Nossa Caixa Desenvolvimento na cidade. Os benefícios de concessão de crédito passariam primeiro pela ACE-Cabreúva, beneficiando os associados com dinheiro público subsidiado à taxas de juros iguais ou menores que as do BNDES.
Cabreúva também se beneficiaria com os estudos sobre sua vocação econômica, que estava em planejamento junto à FIESP/CIESP, num projeto ousado ainda em fase de estudos, e que hoje já começou a ser implantado em várias cidades.
Esse era o plano de metas que tracei para dar à ACE-Cabreúva e ao município, os caminhos para a busca do desenvolvimento da nossa cidade.
A parceria com a prefeitura era muito importante, mas não era necessária, porém fiz questão de ter a Prefeitura de Cabreúva como a grande parceira para a arrancada ao desenvolvimento do município.
Mas não foi isso o que aconteceu.
A falta de visão administrativa do prefeito Cláudio Giannini e a ganância desmedida dos seus auxiliares diretos, suspeito (por favor, sem processos por simples suspeitas), tenham contribuído para que todo um belíssimo projeto, detalhado e eficiente, fosse deixado de lado.
Quando lemos noticiários que Cláudio Giannini é um grande administrador, não sei a quem se referem: ao prefeito de Cabreúva, Cláudio Giannini é que não é!
Impossível pensar num grande administrador municipal que faz uma cópia de orçamentos de anos anteriores, para apresentar à Câmara Municipal, sem qualquer previsão orçamentária de obras futuras.
Qual administrador faz uma previsão de crescimento orçamentário de 3,5% para os próximos três anos, quando os grandes bancos prevêem um crescimento na economia na ordem de 4% a 5,5% para o mesmo período?
Indústrias escolhem Cabreúva para se instalar, não pelos incentivos fiscais, mas porque ainda é o metro quadrado mais barato entre o eixo Campinas-Sorocaba-São Paulo
Enquanto cidades menores investem em educação técnica para seus estudantes, Cabreúva prefere ficar no faz-de-conta de uma parceria com o SENAI, para usos e benefícios políticos, não qualificando a mão de obra necessária às novas e antigas indústrias.
Esse é o retrato simplificado de nossa Cabreúva, hoje: uma cidade sem planejamento, sem uma administração digna e que não conhece seu potencial e sua vocação econômica.
Ainda faltam dois anos para as próximas eleições municipais.
Espero que até lá, possamos encontrar alguém que, além de amar nossa Cabreúva, seja digno do nosso voto.
Dignidade, amor, planejamento e competência. O caminho para uma Cabreúva melhor...