domingo, 19 de abril de 2009

Uma escolha legítima

Uma revolução pacífica, viabilizada no estrito limite da lei, com serenidade e competência exemplares, está empurrando para fora da vida política brasileira algumas das práticas eleitorais, que maculam, historicamente, o processo de escolha dos mandatários no Brasil, desde os tempos do Império e ao longo de toda a República.
Na quinta-feira (16/04), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou, por unanimidade, quatro recursos contra a cassação do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e do vice, Luiz Carlos Porto (PPS). Eles tinham sido cassados em 03 de março por abuso do poder político e captação ilícita de votos. A queda dos recursos confirmou a cassação. Ainda podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas terão que fazê-lo fora dos cargos. A candidata derrotada nas eleições de 2006, Roseana Sarney e seu vice, João Alberto de Souza (ambos do PMDB), já foram empossados na Assembléia Legislativa maranhense.
Jackson Lago é o segundo governador cassado pelo TSE este ano (o outro foi Cássio Cunha Lima, do PSDB, que teve de entregar o governo da Paraíba) e outros seis aguardam na fila pelo julgamento: Ivo Cassol (sem partido, Rondônia), Luiz Henrique da Silveira (PMDB, Santa Catarina), José de Anchieta Júnior (PSDB, Roraima), Marcelo Deda (PT, Sergipe), Marcelo Miranda (PMDB, Tocantins) e Waldez Góes (PDT, Amapá).
“Não basta ganhar, é preciso ganhar legitimamente. É a opção que faz a nossa Constituição em homenagem sobretudo à ética e à vontade livre e soberana do eleitorado”, declarou, em seu voto na sessão de 16/04, o presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, sintetizando o espírito das decisões que aquela corte tem tomado. Essa predisposição para colocar a “ética e a vontade livre e soberana” do eleitor acima de tudo poderá produzir, até o final do ano, um fato inédito na história brasileira: a cassação de quase um terço dos governadores dos estados, pela prática de crimes eleitorais.
E isso pode ter reflexo dentro dos estados, nos municípios onde ainda possuem recursos de cassação de prefeitos, das eleições de 2008, cujos casos ainda tramitam nos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE’s). Como é o caso de Cabreúva, em que o prefeito reeleito Cláudio Antonio Giannini (PMDB) e seu vice, José Mauro de Oliveira (PTB), enfrentam processo de cassação por acusações muito mais graves que a maior parte dos pedidos semelhantes que transitam nos tribunais eleitorais.
É um golpe contra a “vontade das urnas”, argumentam os hipócritas. Esquecem-se, oportunamente, que as cassações se concretizam justamente para corrigir manipulações grosseiras da vontade popular, seja pelo abuso da autoridade e do poder econômico, seja pela transformação da máquina administrativa em máquina de propaganda, seja pela distribuição de presentes, empregos e promessas que desvirtuam a própria essência da democracia, despindo-a de seus preceitos mais sagrados (a igualdade de oportunidade entre os concorrentes; a escolha livre, sem influência do clientelismo) e fazendo dos comitês eleitorais, quando não a própria prefeitura, verdadeiros balcões de negócios, antes e depois das eleições.
Essas práticas não só desvirtuam o processo democrático, como contribuem para manter o eleitorado preso aos chamados currais eleitorais, onde os “votos de cabresto” são controlados com todas as armas possíveis, de presentes a promessas, e até mesmo ameaças e violência, por políticos com fachada de democratas e a mentalidade dos antigos coronéis.
É claro que as cassações acarretam muitos problemas para os Estados e Municípios, ainda mais quando ocorrem, como está acontecendo, depois de transcorrida mais da metade dos mandatos. Dois anos é o tempo médio que os governos levam para começar a dar frutos, e é nesse estágio que os mandatos estão sendo interrompidos e novos governantes empossados, a fim de começar do zero programas inteiramente novos, quase sem tempo para realizações.
Os prejuízos de curto prazo são toleráveis, no entanto, se comparados aos benefícios que, presume-se, a aplicação rigorosa da legislação eleitoral deverá trazer num futuro muito próximo, com a consolidação de um repertório de práticas honestas para a disputa do poder, em lugar das malandragens que aviltam o voto, o eleitor, os governos eleitos e a própria democracia.

Um comentário:

Penélope disse...

SIMPLESMENTE, BÁRBARO!!!
MAGNÍFICO E REBUSCADO TEXTO.
DIRETO, PORÉM,EXTREMAMENTE SUTIL.